QUEM CONTROLA NEM SEMPRE ALCANÇA

A contratação electrónica permitiu ao Estado angolano poupar 47% da despesa inicialmente projectada, um total de 17 milhões de euros, disse hoje em Luanda a secretária de Estado para o Orçamento e Investimento Público, Juciene de Sousa. O que é feito do “controlador financeiro”?

Juciene de Sousa (foto) destacou a importância que o Executivo atribui à contratação pública, como “actividade transversal” na economia e “indispensável à prossecução do interesse publico”, assinalando que 28% dos recursos do Orçamento Geral do Estado de 2023 foram destinados à contratação pública.

No discurso de abertura do ‘workshop’ de divulgação dos resultados da avaliação do sistema de contratação pública de Angola, Juciene de Sousa indicou que a contratação pública tem “evoluído satisfatoriamente, com destaque para a contratação electrónica que tem “beneficiado de ajustes à plataforma”, desde 2018, “com ganhos palpáveis para o erário público.

Em 2021, o Estado poupou, com recurso à plataforma 9% (6,46 mil milhões de kwanzas) da despesa inicialmente projectada, em 2022 gastou menos 23% (11,88 mil milhões de kwanzas) e em 2023 a contratação electrónica permitiu uma poupança de 47%, cifrada em 15,68 mil milhões de kwanzas (17 milhões de euros).

Por isso, reforçou, “o recurso à contratação pública tem, cada vez mais, de ser a via preferencial para a celebração de contratos públicos”, além de ser um “poderoso auxiliar na luta contínua para erradicar a corrupção na contratação pública”.

A contratação electrónica permitiu também elaborar uma lista de fornecedores impedidos de contratar com o Estado, actualizada em permanência, acrescentou a secretária de Estado.

O sistema de aquisições públicas de Angola foi alvo, recentemente, de um relatório de avaliação que incidiu sobre várias dimensões e permitiu “identificar insuficiências e desconformidades” – em particular omissões de regulação, capacitação dos agentes e organização e controlo das entidades que fazem compras públicas – cuja correcção permitirá melhorar o seu funcionamento.

A secretária de Estado realçou que “é necessário o aprimoramento” de todos os intervenientes, incluindo órgãos reguladores e fiscalizadores, sector público e agentes privados”, sendo “inadiável a necessidade de fortalecer os procedimentos” para garantir aquisições publicas mais transparentes, justas, eficientes, económicas e concorrenciais.

Neste sentido, “justifica-se a elaboração de um plano estratégico que possa definir os objectivos da contratação pública angolana”, para que deixe de estar focada apenas nos procedimentos pré-contratuais e passe a ser também um instrumento de gestão das finanças públicas, acrescentou.

O QUE É FEITO DO CONTROLADOR FINANCEIRO?

Em Fevereiro de… 2018 foi anunciado que Governo pretendia aprovar, ainda nesse ano, legislação sobre responsabilidade fiscal, para melhorar a qualidade da despesa pública, introduzindo a figura do “controlador financeiro”.

Em causa estava a execução da lei do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2018, aprovado como previsto em votação final, no Parlamento, e as medidas previstas pelo Governo para “melhorar a qualidade da despesa”, conforme realçou o então ministro das Finanças, Archer Mangueira.

De acordo com Archer Mangueira, o objectivo com esse OGE era “realizar despesa com maior rigor, com maior disciplina e com transparência”.

“Por essa razão, estamos a preparar uma lei de responsabilidade fiscal e introduzir elementos novos, por exemplo a nível da gestão das finanças públicas nós vamos introduzir a figura do controlador financeiro”, explicou o governante, numa entrevista ao canal público de televisão do MPLA.

Na entrevista, já após a aprovação do OGE no Parlamento, apenas com os votos favoráveis do MPLA, partido no poder desde 1975, Archer Mangueira explicou que o Tesouro e o Ministério das Finanças fazem apenas a atribuição das quotas financeiras para cada unidade orçamental (ministérios, departamentos governamentais e outros) e que no fim de cada exercício, “por via da informação que recebe, vai controlando a execução, depois da atribuição das verbas”.

“Com este Orçamento [OGE 2018], com a introdução da figura do controlador financeiro, o objectivo não é depois da execução, é controlar em tempo real o destino dos recursos que são cabimentados e que são pagos”, sublinhou.

Em paralelo, o Governo estaria a avançar, ainda na área da melhoria da qualidade da despesa pública, com o regime da contratação electrónica de bens e serviços do Estado, apertando igualmente com a obrigatoriedade de realização de concursos públicos, disse o ministro.

Ainda em 2018, explicou Archer Mangueira, seriam “reforçadas” as acções de recadastramento dos funcionários públicos, com vista “a eliminar os chamados ‘trabalhadores fantasma’” que ainda existem na Função Pública angolana.

O Governo previa um crescimento económico de 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no OGE para 2018.

O Relatório Parecer Conjunto à proposta de Lei do OGE para 2018, com 56 constatações e 202 recomendações, pediu que fossem incrementadas as verbas atribuídas ao sector da saúde, educação, ensino superior e construção, pressupondo um valor global de 96.453.183.132,00 kwanzas (372 milhões de euros).

“Este incremento corresponderá à aproximadamente 0,5% de incremento do défice fiscal, elevando-o para 3,5%, sendo que o nível de endividamento seria elevado na mesma proporção”, referia o relatório-parecer.

No documento era ainda recomendado que o reforço para o sector social fosse retirado da dotação orçamental para a concessionária nacional (do MPLA) Sonangol, que dos 7% passaria a 5%, sendo o diferencial de 2% para a referida área.

A proposta de OGE para o exercício económico de 2018 comportava inicialmente receitas e despesas de 9,658 biliões de kwanzas (36.870 milhões de euros), representando a despesa com o pessoal 1,647 biliões de kwanzas (6.280 milhões de euros), o correspondente a 17% do total.

As contas do Estado para 2018 previam inicialmente um défice de 697,4 mil milhões de kwanzas (2.690 milhões de euros), equivalente a 2,9% do PIB, traduzindo-se no quinto ano consecutivo de défice nas contas nacionais.

O exemplo socrático do controlador financeiro

Portugal também já andou nessa tese do “controlador financeiro”, com excelentes resultados para o desastre económico e financeiro, no tempo do primeiro-ministro José Sócrates (2005/2011).

De facto, a proposta de Orçamento de Estado (OE) para 2006 previa que cada ministério tivesse um controlador financeiro, que actuaria na dependência do ministro da respectiva área governamental mas também do ministro das Finanças.

O controlador financeiro acompanhava a execução orçamental de todas as entidades na esfera do respectivo ministério e quaisquer medidas e compromissos que este não aprove só podem prosseguir quando autorizadas por despacho ministerial conjunto.

O ministro das Finanças de então (2005/2011), Teixeira dos Santos, tinha já anunciado a intenção do Governo de criar a figura de controlador financeiro, em declarações feitas à margem da reunião de ministros das Finanças da União Europeia, em Setembro de 2005, no Reino Unido.

Entre as funções do controlador financeiro estavam o acompanhamento da gestão financeira e a comunicação das tendências de risco para os objectivos de consolidação das Finanças Públicas, o acompanhamento do cumprimento das obrigações financeiras para com terceiros e a intervenção em iniciativas com impacto financeiro relevante, de forma a evitar desvios.

As funções do controlador financeiro abrangem a fase de planeamento, da execução orçamental e da prestação de contas.

Teria também a obrigação de comunicar ao ministro das Finanças e ao do ministério a que pertence a avaliação dos impactos financeiros previstos e, periodicamente, apresentar relatórios sobre a execução orçamental, a evolução prevista e os problemas identificados, com propostas para os resolver.

O Conselho de Ministros de 12 de Janeiro de 2006 aprovou a criação da figura do controlador financeiro que acompanharia a evolução das contas de cada ministério.

A figura do controlador financeiro é já corrente nas maiores empresas do sector privado. No caso do Governo português de José Sócrates os resultados foram bem visíveis: bancarrota, falência e o pedido de salvação feito à troika.

Folha 8 com Lusa

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